O.J. Simpson: glória, ruína e Oscar

Olá, caros amigos da Cartola Cultural, o que a nossa adorável cartolinha traz de seu interior mágico essa semana é um documentário, um fabuloso trabalho sobre um dos maiores atletas da história do futebol americano, e um dos maiores processos criminais da história moderna: O.J. Simpson: Made in America.

Se você não é muito fã de esporte, e mais ainda de futebol americano, talvez tenha feito uma careta e ficado tentado a abandonar o texto para fazer qualquer outra coisa que julgue mais proveitosa. E esse ímpeto tende aumentar ao ponto de se tornar insuportável quando ler que o documentário é dividido em 5 partes totalizando, em números redondos, 7h:30min.

Calma.

Respire fundo.

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Pôster oficial do documentário O.J.Simpson: Made in American.

Aguente ao menos ler as argumentações favoráveis para que dedique esse tempo de sua vida para prestigiar essa obra que foi o melhor documentário que o cartolito já viu na vida. Vi já um bocadinho e alguns cheguei a comentar a respeito aqui no blog.

Carteirada

Vamos lá, primeiro vamos expor o currículo desse trabalho monumental produzido pela ESPN Films, dirigido por Ezra Edelman, lançado em 2016:

  • Vencedor Critics’ Choice Documentary Award Best Political Documentary (2016);
  • Vencedor Critics’ Choice Documentary Award Best Documentary (Theatrical Feature), (2016);
  • Vencedor Critics’ Choice Documentary Award Best Sports Documentary (2016);
  • Vencedor Critics’ Choice Documentary Award Best Director (Theatrical Feature), (2016);
  • Vencedor Critics’ Choice Documentary Award Best Limited Documentary Series (2016);
  • Vencedor do New York Film Critics Circle Award for Best Non-Fiction Film (2016);
  • Vencedor do Prêmio Independent Spirit de melhor Documentário (2017);
  • Vencedor do Gotham Independent Film Award de Melhor Documentário (2017);
  • Vencedor do Prêmio do Sindicato de produtores da America – Melhor Documentário (2017);
  • Vencedor do Prêmio da National Society of Film Critics de Melhor Documentário (2017);
  • Vencedor do Directs Guild of America Award – Melhor Direção em Documentário (2017);
  • Vencedor do Prêmio Peabody (2017);
  • Vencedor TCA Award – Melhor Programa de Notícias e Informação (2017);
  • Vencedor do Oscar de melhor documentário de Longa-Metragem (2017).
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O casal O.J. Simpson e Nicole Brow. Crédito: literalmente Vivendo!

Ou seja, não se trata de um filme independente tcheco dos anos 1920 indicado por um Hipster e, se considerar o assunto e a duração do documentário, nem um produto excessivamente comercial. E a variedade de premiações diminui a possibilidade de ter se beneficiado de um jogo de compadres – como ocorre com o Oscar.

“Mas mesmo assim, 7 horas e tra-lá-lá sobre um jogador de futebol americano deve ser um parto”.

AÍ que você se engana. Um dos aspectos que achei mais interessante sobre essa realização cinematográfica é que na verdade não é apenas um documentário, mas 4, 4 em 1.

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Simpson tinha bom trânsito em todas as camadas da sociedade. Crédito: Papo de Cinema.

 

  • É uma biografia de um jogador de futebol brilhante;
  • É uma aula de história sobre os conflitos raciais dos EUA ao longo do século XX;
  • É uma investigação de um crime pavoroso que chocou um país;
  • É a reconstituição da sequência dos fatos do “julgamento do século”.

 

A vida de O.J Simpson tem muitas facetas e é impossível retratar a real dimensão que seu caso representou para a cultura americana, o impacto que teve na sociedade, sem fazer um recorte do contexto político social dos EUA durante a segunda metade do século XX. No término do documentário, perceberá que a minutagem extensa dividida em 5 partes não foi um exagero, mas necessária, compreensível e, talvez, como eu, vai lamentar que não tenha uma sexta, sétima parte.

Portanto, até por conta dos atos extracampo do personagem central, não se trata de um documentário inteiramente dedicado a trajetória esportiva de um atleta excepcional de um esporte sem grande apelo em nossa cultura. Essa fase é apenas uma peça, importante, relevante, sem dúvida, do mosaico complexo que é a vida desse cidadão que fez história, invejável e execrável, mas apenas uma peça.

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O.J quebrou tabus no campo publicitário. Crédito: Adnews.

Breve resumo de O.J Simpson

Orenthal James Simpson é um californiano que obteve notoriedade como jogador de futebol americano, ganhando diversos títulos individuais e batendo recordes  da National  Collegiate  Athletic Association (NCAA) e da National Football League (NFL). Tal desempenho, aliado ao impressionante magnetismo de seu carisma, inteligência e habilidades empreendedoras e artísticas, o fez se tornar um ícone, um astro, garoto propaganda de diversas marcas, quebrando tabus (detalhe que será mais aprofundado a seguir), ator de filmes famosos (alguns dos filmes: Corra que a Polícia Vem Aí, Inferno na torre) e milionário.

Virtudes que o fizeram continuar a ser relevante mesmo depois de sua aposentadoria em 1979, aparecendo frequentemente na mídia, seja em comerciais, em entrevistas, filmes, lançamentos de produtos ou como comentarista de futebol.

Porém, seu nome ganhou projeção mundial em 1994, quando foi acusado pelo assassinato brutal de sua ex-mulher, Nicole Brow, e de Ronald Goldman, que teve o azar de fazer uma visita a Nicole nesse dia trágico.

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Antes do assassinato, Nicole já havia notificado as autoridades sobre episódios de violência doméstica que sofria de O.J. Não deram tanta importância.

As circunstâncias apontavam O.J. Simpson como o principal suspeito. Certamente seria encurralado com mais facilidade se fosse um inepto, um beócio,uma figura sem prestígio, fama ou dinheiro. Mas sem dúvida não era o caso…

O período de investigação e julgamento foi uma verdadeira telenovela, com todas as etapas, declarações, audiências, testemunhos, transmitidas em tempo real nos canais de TV, que se arrastou por meses. O caso dividiu a opinião pública, por mais incrível que pareça (o documentário explica com maestria como tal conjuntura foi possível), e acabou se tornando um embate com contornos étnicos raciais.

No fim, O. J. Simpson acabou condenado (mas de forma diferente que imagina, caso não conheça o desfecho do caso), porém não antes de viver uma fase de relativo ostracismo e com toda certeza degradante.

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“Corra que a Polícia vem AÍ” foi um dos filmes de destaque que Simpson participou.

Sobre O.J. Simpson: Made in American

Falando em bom ou mal português: que puta trabalho jornalístico! Não há dedos suficientes na sua mão para contar a quantidade de entrevistados, de depoimentos, de todos os extratos possíveis, jornalistas, advogados, promotores, familiares, amigos, atletas, políticos, sobre as diversas facetas de Simpson, a pessoa, o jogador, o midiático, o calculista, o manipulador, o assassino…

O doc é competentíssimo em retratar a magnitude dos feitos e popularidade de O.J como atleta mesmo para quem não é muito familiarizado com o esporte, há diversas imagens de arquivos de jogo, entrevistas, manchetes de jornais, e, claro, os depoimentos dos personagens que acompanharam de perto a carreira de Simpson.

É exitoso também em demonstrar o caldeirão político, a tensão racial crescente conforme os atos bárbaros da polícia e a corrupção do judiciário americano se exibiam com maior desfaçatez, como pano de fundo da ascensão meteórica do ilustre atleta. Há partes inteiras que praticamente deixam o personagem a ser dissecado de lado para retratar o panorama social, medida que se mostra imperativa para compreender como um cidadão que nunca se importou com questões raciais (sempre que questionado dizia que “não era branco e nem negro, apenas O.J.Simpson”.), vivia em região nobre majoritariamente branca, convivia em clima de oba-oba com os magnatas do pedaço e que cometeu um crime bárbaro acabou se tornando bandeira de resistência contra as injustiças do Estado a comunidade negra.

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O emblemático episódio da luva no julgamento de O.J.Simpson.

O trabalho de Ezra Edelman tem o mérito de demonstrar assertivamente os porquês que fizeram o ex-atleta quebrar barreiras raciais e ser o primeiro negro a estrelar um comercial de uma marca importante de carros, por exemplo, porque não gerava desconforto mesmo nas classes mais conservadoras, e preconceituosas, que tinham resistência de comprar um produto exibindo um negro como protagonista (lembrando que o período em questão são os anos 1970 e 1980).

As partes que se dedicam ao crime, perseguição e julgamento é um show a parte. Demonstram um excelente trabalho de direção e de trilha sonora, pois são eficazes em gerar tensão, levantar questionamentos, promover surpresas, prender a atenção, em transmitir, ao menos em parte, o clima instaurado na época do transcorrer dos fatos em torno desses acontecimentos críticos. Parece que você está assistindo uma série milimetricamente arquitetada por roteiristas experientes e capazes (aliás, o julgamento é melhor do que muitos episódios de Law e Order; não à toa virou tema de American Crime Story, protagonizadas por Cuba Gooding Jr, John Travolta e David Schwimmer [O Ross, do Friends]). Você se envolve com os personagens que transitam no julgamento, torce pela derrocada de uns e sucesso de outros, lamenta a tomada de determinadas decisões em desfavor de outras e a sorte de algumas figuras que ficaram marcadas para sempre.

A minha única crítica é referente ao pouquíssimo uso da excelente “Sinnerman”, da maravilhosa Nina Simone, música usada no trailer e nos comerciais na ESPN, que combina perfeitamente com os momentos mais intensos do documentário.

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O.J.Simpson cumpre pena, mas oficialmente por causa diversa da mais óbvia. Crédito: CBS Tampa.

Conclusão

Sem ideia do que assistir? O.J.Simpson: Made in America, mais de sete horas de entretenimento e conteúdo enriquecedor.

Deixe seu comentário depois de assistir e curta a página oficial do Cartola Cultural no Face.

Até a próxima.

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